Os surdos fazem parte dos oito segmentos menos evangelizados no Brasil. Trata-se de uma população bilíngue, com língua e cultura próprias e com necessidades específicas. Não se sabe ao certo o número de surdos no Brasil, a estimativa mais aceita é baseada no Censo de 2010,

Siléia Chiquini – Divulgação

realizado pelo IBGE, o qual aponta quase 10 milhões de pessoas com surdez no país.

O Radar Missionário entrevistou Siléia Chiquini, especialista em Educação Inclusiva e em Libras (Língua Brasileira de Sinais) e líder do ministério e coral Mãos Ungidas da Igreja Evangélica Assembleia de Deus de Curitiba. Ela conta como a trajetória dela trabalhando com surdos começou, os desafios do ministério, o cuidar de Deus e dá dicas de como comunicar melhor com um surdo para quem não domina a língua de sinais.

RM: Como começou o seu envolvimento com o ministério de surdos?

Siléia: Em 1994 foi um marco em minha vida, eu não tinha nem ideia disso, mas estava nascendo meu ministério com os surdos. Um certo dia eu fui indicada pelo meu chefe no trabalho secular para fazer o curso de Libras (Língua Brasileira de Sinais). Não entendi o porquê eu tinha sido escolhida para fazer o treinamento, enfrentei lutas e problemas de saúde para começar o curso, mas pela graça de Deus aprendi Libras e a partir daí comecei dar treinamento da língua de sinais dentro da empresa que trabalhava.

Com o passar do tempo senti muitas dores nos braços e perder a força nas mãos. Ali começava um tempo difícil na minha vida, passei por várias cirurgias, fiquei afastada do trabalho e sem entender o que estava acontecendo comigo. Estava aflita, doente, com medo de perder o emprego. Comecei a orar, fazer campanhas, convidei irmãs para vir orar comigo na minha casa. Quando elas chegaram começamos a orar e Deus usou uma delas para profetizar que não era a hora de Deus curar. Confesso que fiquei muito triste.

Um tempo depois recebi uma ligação do RH falando que seria a última perícia, ou eu voltaria a trabalhar ou seria encostada. Eu poderia perder o emprego! Eu sabia que se voltasse a trabalhar seria demitida. Então desliguei o telefone e fui orar. Só me restava confiar em Deus. Para minha surpresa quando fui fazer a perícia, fui aposentada. Eu sai daquele consultório chorando e fui para a igreja agradecer a Deus e testemunhar a minha bênção. A partir desse momento começou meu ministério na igreja.

Em uma manhã de domingo em meados de 1996 fui procurada pelo pastor Juarez Santana e sua esposa, Neuza Maria, pois ele tinha algo da parte de Deus para compartilhar comigo. Deus deu uma visão para ele durante a noite mostrando uma reunião na igreja, eu liderava a reunião mas não usava minha voz, o grupo entendia o que eu falava, mas eu ministrava com o corpo, e ele não conseguia me ouvir. E um ser vestido de branco e brilhando muito vinha na minha vida e falava para o pastor ver o que Ele faria da minha vida. Eu nunca tinha pensado em trabalhar com surdos ministerialmente, mas Deus usou o pastor para começar a trabalhar em minha vida nesse sentido.

RM: E como começou o ministério?

Siléia: Um dia um surdo entrou na igreja e o irmão Cássio veio falar comigo e pedir para interpretar. Eu estava relutante, pois apesar de saber a língua de sinais eu não tinha experiência em conversar com surdos, eu não conhecia nenhum surdo e nunca tinha praticado. Falei para o irmão mandar o surdo embora, pois não havia ninguém na igreja para interpretar. O Cássio me desafiou dizendo: se essa pessoa sair daquela porta para fora e algo acontecer com ela, ela é sua responsabilidade. Essas palavras foram tão fortes que penetraram meu coração, eu senti o peso da responsabilidade que estava sobre mim. Pedi para chamar o surdo e interpretei o culto todo. Ao final do culto pensei, ufa! Acabou. No próximo culto o Hércules voltou trazendo dois amigos surdos. Ali foi o início do ministério de surdos da nossa igreja, hoje com mais de 50 surdos e 8 interpretes. Eu amo o que eu faço.

RM: Qual o objetivo do ministério Mãos Ungidas?

Siléia: Nosso propósito é ganhar almas para o Reino de Deus, evangelizar e discipular. Trabalhando com zelo, dedicação e amor para aqueles que não podem ouvir. Hoje temos um coral de surdos que eles louvam a Deus por meio da língua de sinais, o coral Mãos Ungidas. Cerca de 50 integrantes e 35 surdos já foram batizados.

RM: E quais foram os desafios e alegrias do ministério?

Siléia: Quando eu comecei o ministério, muitas vezes eu pensei em parar ou recuar por causa dos desafios ministeriais. Um dos grandes desafios era a paralisia dos meus dedos, os surdos não reclamavam, mas eu tinha essa dificuldade e orei muito para que o Senhor me curasse. Um dia deitei enferma e acordei curada!

Também enfrentamos dificuldades por falta de espaço próprio para o ministério, falta de material didático em Libras, falta de pessoas capacitadas para ajudar.

Olhando para trás, vemos tantos surdos que vieram de situações difíceis como de prostituição, alguns moradores de rua, ou pessoas viciadas, e que o Senhor resgatou, Escola Dominical em Librasrestaurou e transformou por meio do ministério. Eu gosto muito da parábola do bom samaritano, que reflete a história de muitos surdos que encontramos. Nessa parábola Jesus Cristo se importa com aquele que está sofrendo, mesmo quando o sacerdote e o levita as vezes não param para socorrer aquele homem, Deus escolhe nos usar como instrumento de bênção na vida dessas pessoas.

Hoje temos uma estrutura, temos uma equipe treinada e uma classe de escola bíblica dominical em Libras. Me alegra muito ver aquela sala de escola dominical repleta de surdos cheios do desejo de aprender mais e mais de Deus.

RM: Qual o desafio do ministério e evangelismo de surdos?

Siléia: A palavra de Deus nos chama a ir, “Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura”. Marcos 16:15. No entendo no caso dos surdos ou pessoas com necessidades especiais precisamos de uma metodologia adequada, professores preparados para trabalhar com surdos. Se a igreja quer ter um departamento para trabalhar com pessoas especiais, seja surdo, cego, cadeirante, etc., a igreja e os professores precisam de ter um preparo especial e o trabalho tem que ser adaptado àquela necessidade.

RM: Por que a senhora acha que os surdos ainda são considerados um dos oito segmentos menos evangelizados no Brasil?

Siléia: Muitas igrejas ainda não estão preparadas para receber o surdo. A maioria das igrejas ainda não têm pessoas que consigam falar com o surdo. Um dos pontos que a igreja precisa compreender é que o surdo poderá entender a palavra de Deus assim como o ouvinte. Eu gosto de citar um exemplo lindo que o Apóstolo Paulo diz “Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns. E eu faço isto por causa do evangelho, para ser também participante dele”. 1 Coríntios 9:22,23. Eu me coloco nesse versículo: “Fiz-me surda para ganhar os surdos…”. Outra versículo que me chama muita atenção é em Apocalipse 5:9-10 diz “e eles cantavam um cântico novo: “Tu és digno de receber o livro e de abrir os seus selos, pois foste morto, e com teu sangue compraste para Deus homens de toda tribo, língua, povo e nação. Tu os constituíste reino e sacerdotes para o nosso Deus, e eles reinarão sobre a terra”. Lendo esses versos podemos ter a certeza que os surdos também estarão diante do cordeiro, não mais como surdos, mas renovados, regenerados e adorando ao cordeiro.

RM: Você tem dicas para quem não fala Libras ter uma melhor comunicação com o surdo?

Siléia: Primeiro precisamos entender que o surdo é um sujeito que tem uma língua natural própria, Libras, como língua materna e o português como segunda língua. Para facilitar a comunicação com o surdo é importante:

  • Lembre-se que o surdo ouve com os olhos, então só há comunicação se há visualização.
  • Fique sempre de frente para o surdo.
  • Se o surdo consegue fazer leitura labial, converse com ele pausadamente. Mas não grite, isso não vai ajudar.
  • Use vocabulário simples uma vez que o vocabulário em Libras é simples.
  • Fique próximo do surdo.
  • Use expressões faciais e gestos para ajudar no processo de comunicação.
  • Manter a boca e mão livre para fazer os gestos necessários.
  • Não esqueça que o corpo todo fala. Nas nossas mãos estão a letra e palavra; no nosso corpo o ritmo; e as emoções são comunicadas pelas nossas expressões faciais.
  • Lembre-se sempre que o surdo é 100% visual, para que ele compreenda o material usado precisa ser bem ilustrado.
  • E claro, busque aprender Libras e o alfabeto manual, geralmente usado para nome próprio e vocabulário que não tem sinal próprio.
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