Certa vez Jesus questionou seus discípulos se valia a pena ganhar o mundo inteiro se isso custasse sua própria vida (Marcos 8:36). Mais de dois mil anos se passaram e seus discípulos precisam meditar nesta indagação mais do que nunca. Nunca se ouviu tanto de pastores e missionários em depressão profunda, com casos alarmantes e preocupantes de suicídios cada vez mais comuns.

Temos ouvido com certa frequência aterradora estes casos de suicídio se multiplicando entre os evangélicos brasileiros. Caso alguém procure entender isso como um fenômeno teológico, restrito a algum nicho doutrinário da igreja brasileira, se frustrará, pois há casos de suicídio tanto entre tradicionais quanto entre pentecostais, nas mais diferentes denominações.

No campo missionário não tem sido diferente. Inúmeros missionários sofrem quietos a doença do século, isolados em seus ministérios difíceis e solitários. Quando descobertos, muitas vezes são julgados como fracos morais, ou pessoas de pouca fé. Por causa da falta de conhecimento de muitas igrejas e organizações missionárias, o obreiro sofre quieto com sua condição indetectada, somatizando no corpo inúmeras outras patologias físicas e emocionais. Quando sua condição é descoberta, muitas vezes acaba sendo afastado de seu ministério, perde seu sustento e apoio, sendo até abandonado pela igreja por não saber como lidar com a situação.

Por que estamos tão ansiosos, depressivos e com pensamentos mórbidos? O que tem levado pastores e missionários a tirarem suas próprias vidas, ou em alguns casos a abandonar ministério, família e a fé em verdadeiros surtos de nervosismo? O assunto é muito complexo e polêmico, mas gostaria de identificar aqui algumas possíveis razões que podem nos ajudar a entender este quadro. Afinal, talvez você mesmo esteja sendo pastoreado por alguém à beira do suicídio, ou estar apoiando um missionário em profunda depressão. Não quero, porém, que estes itens soem aos seus ouvidos como julgamento aos que estão em depressão, tampouco aos que cometeram suicídio. Com relação a estes devemos ter profunda empatia e consideração. Estes pontos são para mim e para você!

Exigências e expectativas elevadas

Acredito que uma das razões porque muitos pastores e missionários tiram suas vidas é porque nós exigimos deles conhecimento profundo das Escrituras e profissionalismo ministerial, mas não nos preocupamos com suas vidas pessoais! Buscamos pregadores poderosos nos púlpitos, ou missionários intrépidos no campo, mas não atentamos em saber se eles desfrutam de uma vida abundante com Deus. Esperamos que cuidem muito bem das pessoas e ministérios que lhes foram confiados, mas nós mesmos não cuidamos deles. Esquecemos que o pastor e o missionário são também ovelhas que precisam ser pastoreadas!

O ministro precisa pregar muito bem, aconselhar com sabedoria, administrar a igreja ou o ministério como um exímio administrador, conciliar conflitos, arrecadar fundos, cuidar de obras de construção, gerir pessoas e ministérios, e ainda assim ser filho, pai, marido e cidadão. Na prática o pastor e o missionário trabalham muito mais do que apenas oito horas por dia, e não é incomum ver líderes sem tirar sequer um dia de descanso na semana por causa das demandas do ministério. Quando não consegue suprir um destes papeis ele mesmo se cobra, sentindo a frustração vinda da igreja ou dos líderes de sua organização missionária.

Ignorância quanto às doenças da alma

O suicídio de um pastor é sempre uma surpresa pois ninguém imaginava que isso aconteceria, em partes por que ele nunca teve coragem de falar, mas também porque normalmente não se espera isso de um homem ou uma mulher de fé. O medo de se expor não é sem justificativa, afinal, muitos da igreja possuem um grande preconceito quando o assunto é depressão e ansiedade. Precisamos mudar isso para haver cura!

Conheço líderes que já repreenderam pastores auxiliares por serem supostamente preguiçosos, quando na verdade estavam em depressão. Um certo líder importante de uma igreja ridicularizou publicamente os pastores que tomavam antidepressivos, chamando-os de pecadores sem fé. Não é incomum ouvir alguém dizer que estes estão na verdade endemoninhados, e que a depressão veio expor o demônio em suas vidas. Palavras e posturas que são não apenas anti-bíblicas, mas também ignorantes.

O Profeta Elias sofreu depressão em certo momento de seu ministério, pedindo inclusive a morte (1 Reis 19:4). Jó experimentou profundo desespero e sentimentos depressivos expressos em todo o seu livro. O profeta Jonas também viveu o seu momento de profunda depressão desejando morrer (Jonas 4:8). Nenhum deles estava endemoninhado, e no caso de Jó a atuação de Satanás em seu sofrimento é como um agente meramente externo, e apenas um dos inúmeros e complexos fatores causadores da sua situação.

Percebemos a ignorância quando ouvimos líderes rejeitando uma consulta com um psiquiatra, ou uma terapia com um psicólogo cristão. Acabamos sendo incoerentes, pois não pensamos duas vezes antes de tomar um comprimido para dor de cabeça, ou um anti-inflamatório, mas jamais tomaríamos um antidepressivo ou um ansiolítico.

Para mudarmos o quadro de suicídios entre nossos pastores e missionários precisamos começar mudando nossa postura para com a depressão. Crente salvo e redimido pode sim sofrer depressão, e existem remédios para tratar, psicoterapia para ajudar, e muitas ferramentas disponíveis para aliviar o problema.

Precisamos aprender a chorar com os que choram

Se tem algo que uma pessoa em depressão não precisa é do tipo de amigo que Jó teve, que se assenta do lado para acusar ou quem sabe para investigar a razão de tal sofrimento. Uma pessoa em angústia não precisa de alguém que racionalize o sofrimento, que explique teologicamente a existência da aflição no mundo, ou que fique esquadrinhando a vida da pessoa em busca de algum pecado que possa explicar tal situação.

Quando Jesus viu Maria chorar mediante a morte de seu irmão (João 11:33-35), nosso Senhor não a repreendeu, nem racionalizou sua situação. Ele poderia ensinar uma lição para sua discípula sobre a morte, a falta de fé ou o desespero, mas ao invés disso “Jesus chorou”. Jesus chorou porque se deixou envolver pelo sofrimento que havia se abatido sobre aqueles que amava.

Quando lidamos com alguém que sofre e oferecemos um abraço ou o nosso apoio silencioso e amoroso, tais atos podem ser mais poderosos do que muitas palavras ditas sem sabedoria, ainda que com boas intenções. Quando choramos com os que choram, repartimos com estes o fardo pesado que carregam, e a nossa compreensão e afeto operam em seus corações como bálsamo divino.

Por isso precisamos aprender a chorar com os que choram. Afinal, nossos pastores e missionários precisam de ombros irmãos, e não de dedos apontados.

Objetividade x Subjetividade

Infelizmente nós cristãos neste século XXI valorizamos muito o que é objetivo e desprezamos o que é subjetivo. Esperamos uma igreja maior, um culto melhor, um ministério mais amplo. Queremos números, imponência, resultados, eficiência. Não que estas coisas sejam ruins, mas o problema está em colocarmos apenas valor nesta dimensão, desvalorizando os relacionamentos, as amizades verdadeiras, o descanso, o tempo em família, a contemplação de Deus e de sua criação.

Como dizia Kierkegaard, o filósofo cristão dinamarquês, o ser humano é um ser que vive entre dois mundos, o da eternidade e o da finitude. Sabemos que somos seres espirituais, mas na maioria das vezes nos esquecemos que também somos humanos, com um corpo limitado, e que precisa respeitar seus limites!

Kierkegaard também disse que o mundo não precisa tanto de doutrina, mas sim de paixão! Há muita verdade nesta afirmação. Sabemos a importância do ensino doutrinário, do conhecimento dos principais fatos do cristianismo e da fé, mas creio que nós líderes gastamos muita energia nisso.

O mundo anseia por algo que faça seu coração bater de forma diferente. Algo que gere aquele brilho nos olhos, aquele rubor na face. O tipo de paixão que Jesus conseguiu despertar no coração de seus ouvintes, e que os grandes avivalistas da história do cristianismo conseguiam transmitir! Isso porque John Wesley, George Whitefield, Jonathan Edwards, Charles Finney e tantos outros eram apaixonados por Deus e sua Palavra, e estavam muito mais ocupados em viver para o Senhor do que em produzir algo para Ele. As pessoas eram atraídas a estes homens porque queriam a mesma paixão que viam queimar em suas vidas. Hoje, infelizmente, muitos de nossos pastores e missionários queimam, mas com um fogo que não é santo, e que os consome por dentro, levando consigo a alegria, a paixão e todo o ânimo embora. Precisamos de uma revolução no coração! Precisamos mudar nossas prioridades, nossos valores, nosso coração.

Muito conhecimento e pouca vida

A fé no final das contas não se expressa no quanto conhecemos da Bíblia ou dos eventos passados de Deus na vida de seus servos, mas sim no quanto encarnamos de sua Palavra em nossa vida por meio das escolhas que tomamos. Esquecemos que ninguém será salvo pelo quanto conhece, mas sim por crer em Jesus (João 3.16). Crer não é um exercício meramente intelectual e frio, mas sim relacional, e que deveria envolver toda a nossa mente, emoções e força física. Afinal, crer é mergulhar nossa vida na vida de Cristo, e não no ativismo religioso.

Conhecemos a verdade de que Jesus traz vida plena e transbordante, mas poucos de nós nos dispomos a experimentá-la. Muitos sabem de memória os atributos divinos de Cristo, porém não mergulham em sua essência nem se derramam genuinamente nele. Conhecemos línguas antigas e nos versamos em teologia, mas continuamos analfabetos na língua do Espírito. Sabemos, mas não desfrutamos! Sabemos tudo o que Ele disse, mas somos surdos ao que está dizendo! Lemos e relemos a Bíblia em inúmeras versões, mas nunca permitimos que ela nos leia! Acredito que o suicídio de pastores e missionários é um grito de socorro da nossa igreja atual, clamando por uma mudança na essência!

A Bíblia é como uma janela para uma paisagem linda pintada por Deus. Nós, porém, nos especializamos em estudar a janela, ponderando a espessura do vidro, a distância entre as molduras, o tipo e qualidade da madeira e outras coisas. Nos contentamos em estudar tudo o que podemos sobre a janela, ao invés de simplesmente olhar através dela para a paisagem transformadora e vivificante que Deus pinta diante dos nossos olhos. Temos muito conhecimento e pouca vida! Jesus veio não para que tivéssemos “conhecimento em abundância”, mas sim “vida em abundância”. Conhecimento é importante, mas vida é essencial!

Conclusão

Quero concluir dizendo que precisamos ser mais humanos e menos exigentes. Mais realistas e menos perfeccionistas. Mais discípulos de Cristo e menos discípulos da modernidade. Precisamos ouvir mais as pessoas e nossos líderes, não apenas com os ouvidos, mas com todos os nossos sentidos, pois eles falam com suas ações ou ausência de ações! Busque discernir o coração de seu pastor e missionário, preocupando-se com sua saúde física e emocional. Cuide deles! Seja amigo deles!

Não esqueça seus missionários que moram há milhares de quilômetros. Culturas diferentes e situações políticas e religiosas exóticas só amplificam o stress e a possibilidade de doenças emocionais, principalmente quando se sentem abandonados. Ao fazermos isso glorificamos a Deus e trazemos saúde para a nossa igreja. Que Deus te abençoe e te capacite pelo seu santo Espírito!

Pr Eli Maga – pastor, escritor e diretor executivo da Crossover Global (CCI Brasil) Site: maga.net.br
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