Três anos de mapeamento pela Rede Mãos Dadas revelou-me a grande diversidade de povos e expressões étnico-culturais presentes no Nordeste. Nas viagens encontrei igrejas iniciando trabalhos em comunidades quilombolas. Andar pelas comunidades, na presença das crianças, despertou em mim um desejo de buscar mais conhecimento histórico, territorial e antropológico sobre o tema.

Denominados pelo governo como “comunidades e povos tradicionais”, os quilombolas são parte significativa da história do Brasil, embora, para a grande maioria dos brasileiros, sua realidade continue a ser praticamente invisível.

Atualmente, estão certificadas pela Fundação Cultural Palmares 1.711 comunidades espalhadas pelo território nacional. Estima-se, porém, que existam cerca de 3.500. Há comunidades remanescentes de quilombos em quase todos os estados, exceto no Acre, Roraima e no Distrito Federal. Os que possuem o maior número de comunidades são: Maranhão (381), Bahia (380), Minas Gerais (145), Pernambuco (104) e Pará (98).

Entre os nove estados do Nordeste o número de comunidades certificadas é: Maranhão (381) Pernambuco (104) Sergipe (20) Ceará (29) Piauí (42) Rio Grande de Norte (21) Paraíba (34) Alagoas (64) Bahia (380). Fonte: Fundação Cultural Palmares, Setembro 2011.

Quilombolas são descendentes de africanos escravizados que mantêm tradições culturais, de subsistência e religiosas, ao longo dos séculos. Para um melhor entendimento do que são os remanescentes de quilombos, o Decreto 4887/03 estabelece que: “Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a opressão histórica sofrida”.

A luta pela terra

A questão da terra tem sido o principal obstáculo à implementação de políticas públicas destinadas às comunidades remanescentes de quilombos e motivo de perpetuação dos históricos conflitos pela posse e uso da terra.

No alto sertão de Alagoas eu senti este peso histórico na fala da Dona Emília, a senhora mais velha da comunidade Alto de Negras. Com seus 72 anos, ao ser questionada por um amigo sobre ter a posse da terra, ela responde com ironia: “Terra, meu senhor! A nossa terra, a nossa terra é a tarefa!”. Sua fala nos mostra que um contexto escravista prevalece na injusta falta de acesso às terras dos seus ancestrais.

Dificuldades educacionais

No Brasil, a frágil condição de vida na maioria das comunidades quilombolas é fato social e econômico. As crianças sofrem o impacto da dificuldade de viver nessas localidades.

De acordo com o Censo Escolar de 2007, o Brasil tem aproximadamente 151 mil alunos matriculados em 1.253 escolas, localizadas em áreas remanescentes de quilombos. Quase 75% (113 mil) destas matrículas estão concentradas na região Nordeste. Fonte: Ministério da Educação.

Conforme o Relatório da Situação da Infância e Adolescência Brasileira do Unicef (2003), 31,5% das crianças quilombolas de sete anos nunca frequentaram bancos escolares; as unidades educacionais estão longe das residências e as condições de estrutura são precárias. Geralmente as construções são de palha ou de pau a pique; poucas possuem água potável e as instalações sanitárias são inadequadas. O acesso à escola é difícil, os meios de transporte são insuficientes e inadequados e o currículo escolar está longe da realidade destes meninos e meninas. Raramente os alunos quilombolas veem sua história, sua cultura e as particularidades de sua vida nos programas de aula e nos materiais pedagógicos.

Os professores não são capacitados adequadamente, o seu número é insuficiente para atender a demanda e, em muitos casos, em um único espaço há apenas uma professora ministrando aulas para diferentes turmas. Estimativas atuais apontam para uma população de 900 mil crianças e adolescentes de até 17 anos. Fonte: Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade SEPPIR.

Quando o assunto é violência e exploração contra adolescentes, os dados são “assustadores”. Segundo Marie Pierre Poirier (UNICEF), um estudo feito em São Luiz (MA) mostra que mais da metade das trabalhadoras domésticas são meninas negras quilombolas que saíram de suas comunidades antes de terminar os estudos para trabalhar na cidade. “Essas crianças não podem mais continuar invisíveis aos olhos da sociedade”, afirma Marie.

Um dos grandes desafios dos povos quilombolas é manter seus jovens nas comunidades. É grande o número de jovens que saem em busca de trabalho em outras regiões. Em uma cultura que transmite seus valores oralmente, são eles os responsáveis pela continuidade das tradições e dos valores quilombolas.

Uma Igreja “para” os povos de matriz africana

Uma consideração importante é que é indispensável, antes de pensar na prática de desenvolvimento comunitário nos quilombolas, investir tempo numa pesquisa sócio-antropológica para buscar um entendimento aprofundado das origens e história: da comunidade, dos seus costumes e valores, da estrutura matriarcal, das práticas agrícolas, comunitárias, da religiosidade, da culinária, das danças, batuques e crenças, da oralidade do povo e seu jeito de viver, de pertencer, de se integrar, de construir e improvisar.

Com base nisso, com um trabalho respeitoso e contextualizado haverá maior possibilidade de implantar comunidades de fé que sejam realmente “boa notícia” para essa gente, podendo, dessa forma, participar da revitalização do patrimônio cultural, da manutenção das suas riquezas e da transformação integral dos seus membros.

Que Igreja de Jesus sonhamos em ser plantada e vivida entre os quilombolas? Uma igreja que avança na promoção da justiça e participação social, e que trabalha contra a miséria e o racismo? As experiências iniciais demonstram que a expansão futura da igreja em comunidades não alcançadas pelo Evangelho certamente vai exigir um entender e pensar em ações a partir das violações dos direitos dos quilombolas e de suas demandas, das quais se destaca a luta pela terra e pela educação.

Se sua igreja tem iniciado ações em comunidades quilombolas deixe um comentário. Queremos conhecer a sua experiência!

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Fonte:

Revista Utimato –  conheça mais Clique aqui

Alison M. Worrall, representante da Rede Mãos Dadas no Nordeste.

Colaboração: Quézia Queiroz

Foto: Alison M. Worrall

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